sexta-feira, 1 de junho de 2018

CASA 500 - Ministério Público protege Patrimônio Histórico (01/06/2018)

             A Promotoria de Justiça apresentou  recomendação, abaixo, referente ao Inquérito Civil sobre a histórica Casa 500 da rua Sete de Setembro:



Ministério Público do Rio Grande do Sul
Promotoria de Justiça Especializada de Cachoeira do Sul
Rua Silvio Scopel, 1220 - CEP 96506630 - Cachoeira do Sul, RS
Fone: (51)37221083 e-mail: mpcachoeira@mprs.mp.br

INQUÉRITO CIVIL: 00728.00013/2018

RECOMENDAÇÃO


                         O MINISTÉRIO PÚBLICO, por sua agente signatária, no uso das atribuições que lhe conferem os artigos 127 e 129, incs. I, II, III e IX da Constituição da República Federativa do Brasil; artigo 111, inc. V e parágrafo único alínea ‘b’ da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul; artigo 27, parágrafo único, inciso IV, da Lei Federal n.º 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público); artigo 32, inciso IV, da Lei Estadual n.º 7.669/82 (Lei Orgânica Estadual do Ministério Público); no âmbito do expediente suprarreferido, apresenta RECOMENDAÇÃO nos seguintes termos:


                            CONSIDERANDO os fundamentos da Recomendação enviada para o Município de Cachoeira do Sul no dia 15/05/2018;

                           CONSIDERANDO que, de acordo com os documentos anexos (cópia de documentos históricos), a Casa situada na Rua Sete de Setembro, números 484 e 500, mantém a mesma estrutura externa original, não tendo sido descaracterizada, mas apenas reformada, conforme protocolos do ano de 1917 (cópias anexas);

                          CONSIDERANDO, os termos do Documento CAOURB n.º 022/2018 -, do Centro de Apoio Operacional da Ordem Urbanística e Questões Fundiárias do Ministério Público, no qual não foi possível a emissão de parecer conclusivo, em razão do Arquiteto e Urbanista que o firmou não ter tido acesso ao inventário completo do bem, mas que analisou o caso e o Parecer do Município, e concluiu que os argumentos levantados pela Procuradoria não têm respaldo, conforme seguintes excertos, acolhidos e agora parte integrante desta Recomendação, com grifos:

“(...)
2.3 Sobre o fato de que Antônio Vicente da Fontoura não habitou a casa em exame, não há contestações irrefutáveis. Cogita-se de que a casa atual seria uma reforma da casa anterior. Mas esta hipótese entra em contradição de que o prédio atual seja projeto do arquiteto Ernst Julius Rieth. Portanto, se o bem foi inventariado somente por ter sido a casa do notável cachoeirense, esta iniciativa perde sua razão de ser. Mas veja-se que é muito comum denominar casas com o nome de seu proprietário, quando se faz uma listagem de bens culturais, apenas para identificação do bem, sem que necessariamente o valor seja devido ao proprietário.

2.4 Porém, até o momento não há como ser conclusivo quanto a hipótese apontada para retirar a proteção do bem. O exame das qualidades de arquitetura do prédio, bem como o contexto urbano no qual ela está localizada, indica que ela tem valor em si mesma, independente de quem a teria habitado. Para ser conclusivo quanto a esta outra motivação para justificar a inventariação do bem, não há elementos suficientes para fazer uma análise. A casa deve ser examinada no conjunto dos bens inventariados em Cachoeira do Sul.

2.5 Quanto a informações que constam em documentos, algumas chamam a atenção, por não corresponderem fidedignamente aos fatos. Na folha 46 é afirmado que “é evidenciado a degradação estrutural bem como a descaracterização arquitetônica do mesmo”. Ora, basta ler o laudo técnico para verificar que nada disto é afirmado lá. O prédio encontra-se com desgaste e modificações compatíveis com sua idade, mas sem comprometer seu valor enquanto bem de arquitetura. Ainda que o prédio estivesse muito degradado, isso não seria justificativa para desconsiderar sua proteção. Qualquer prédio necessita de manutenção e melhorias ao longo do tempo, esse é um ônus ordinário do proprietário. Se o proprietário passa longo tempo sem cuidar de seu prédio, é lógico que a recuperação dele será muito mais custosa.

2.6 Um prédio sendo inventariado, e não tombado, pode ser reformado sem grandes restrições. Não necessita ser “restaurado”.
O proprietário de um prédio inventariado pode usufruir dele e manter ele em normais de utilização sem qualquer investimento diferente do que seria se não fosse inventariado. Quanto ao uso e manutenção o fato de um prédio ser inventariado não cria qualquer ônus extra ao proprietário. Somente ele deve solicitar autorização para realizar obras, a fim de evitar degradações dos aspectos importantes de serem preservados, que geralmente são somente externos. O laudo técnico aponta, por exemplo, que a rede elétrica não atende as normas técnicas vigentes. Renovar a rede elétrica é uma necessidade em qualquer prédio mais antigo, independente de ser tombado, inventariado ou não.

2.7 A repercussão que o caso está tendo na imprensa municipal bem demonstra que o bem não é de importância desprezível para a população de Cachoeira do Sul. Se fosse irrelevante do ponto de vista de significação para a população, não haveria tanto debate e discussão. Esta polêmica é um importante indício de que o prédio é sim importante na memória da cidade.

2.8 O Sr. Rafael Rochenbach, da Procuradoria Jurídica e também membro do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico-Cultural, redigiu um Parecer, datado de 16 de março de 2018, com algumas afirmações altamente questionáveis, e outras altamente preocupantes.

Primeiro ele informa que o inventário não tem amparo legal. De imediato é constatado que o Município não está adequado a legislação estadual e federal, o que será examinado no item seguinte.

Adiante, o parecerista afirma que:

Especificamente no caso em tela existe a peculiaridade de ser um bem descaracterizado, que não mantém atributos que o leve a ser mantido no inventário realizado em 1989. O citado imóvel não possui valor histórico, arquitetônico ou cultural que garanta permanência na citada listagem, opinando o procurador que esta subscreve pela exclusão do imóvel.

Ora, impossível concordar com estas afirmações. O bem não está descaracterizado, ao menos em grau sensível para sua idade. Não ter atributos, valor arquitetônico, etc., é contestado por vários documentos em sentido contrário. Ainda, também há a questão de paisagem urbana, da qual o parecerista passa ao largo.

Ao justificar que o COMPAHC pode colocar e retirar bens do inventário, o parecerista adentra em juízos de valor equivocados quanto ao valor cultural do bem em questão.

2.9 Segundo parecerista o Município de Cachoeira do Sul realizou o inventário de seus bens culturais, mas não oficializou legalmente. Assim como tantos outros municípios gaúchos. Então, quando cada um dos prédios “semi” inventariados é objeto de tentativa de demolição, inicia-se um embate perverso, que sempre deixa vários descontentes. Veja-se o que estipula o artigo 40, da Lei estadual n° 10.116/1994, Lei do Desenvolvimento Urbano, especialmente o parágrafo 1º:

Art. 40 - Prédios, monumentos, conjuntos urbanos, sítios de valor histórico, artístico, arquitetônico, paisagístico, arqueológico, antropológico, paleontológico, científico, de proteção ou preservação permanente, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, não poderão, no, todo ou em parte, ser demolidos, desfigurados ou modificados sem autorização.
§ 1º - Para identificação dos elementos a que se refere este artigo, os municípios, com o apoio e a orientação do Estado e da União, realizarão o inventário de seus bens culturais.
§ 2 - O plano diretor ou as diretrizes gerais de ocupação do território fixarão a volumetria das edificações localizadas na área de vizinhança ou ambiência dos elementos de proteção ou de preservação permanente, visando a sua integração com o entorno.
No mesmo sentido, a Constituição brasileira determina que os municípios preservem seu patrimônio cultural, como está explicitamente regulamentado no Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257/2001, artigo 2º e inciso XII:

Art. 2º. A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:

XII – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico; (...)”

Ressalta-se que, mesmo sem a possibilidade de fornecimento de parecer conclusivo, o profissional do CAOURB, que tem o conhecimento técnico para analisar o caso, devido a sua formação em arquitetura e urbanística, sugeriu, entre outras medidas, que fosse mantida a incolumidade do prédio:

“(...)
4.1 Sugere-se que, por cautela, o prédio na Rua Sete de Setembro, nºs 484 e 500, seja mantido incólume, até melhor exame de sua situação enquanto bem cultural da cidade.

4.2 Sugere-se disponibilizar o inventário dos bens municipais de Cachoeira do Sul, com todos seus documentos, justificativas, etc., para realizar um melhor exame. Ainda, também a documentação relativa aos bens tombados no município, se houver.

4.3 Quanto ao item anterior, sugere-se que essas informações sejam disponibilizadas de maneira permanente ao público em geral, de preferência no site da prefeitura, e a assinaladas nas plantas do plano diretor municipal.

4.4 Considerando que os proprietários do prédio alegaram desconhecer que o mesmo estivesse inventariado, sugere-se verificar a situação dos demais bens inventariados. Se seus proprietários foram notificados, se constam estas condições nas matrículas do registro de imóveis, etc. Falhas nessa situação dificultam a real proteção dos bens culturais, tornam recorrentes problemas como este, etc.

Neste sentido sugere-se verificar se foi cumprida a Lei estadual n° 10.116/1994, Lei do Desenvolvimento Urbano, artigo 40 e parágrafo 1º, bem como o parágrafo 2º, conforme o item 2.9 anterior.

4.5 Sugere-se demandar do Município uma política clara para preservação do patrimônio cultural edificado, a fim de que nenhum proprietário se sinta prejudicado em seus interesses econômicos. Estas políticas podem incluir a previsão de transferência de potencial construtivo, compatibilização dos índices construtivos de todos os terrenos em geral, etc. Sem essas políticas, os problemas e demandas para demolição de prédios protegidos se repetirão permanentemente. (...)”


                          CONSIDERANDO os termos de parecer técnico posterior – DOCUMENTO CAOUrb N.º 023/2018, para cuja elaboração o profissional do Ministério Público teve acesso ao inventário municipal, e CONCLUIU que a casa “Vicente da Fontoura” DEVE SER PRESERVADA, devido a seu VALOR COMO EXEMPLAR DE ARQUITETURA ECLÉTICA, e que maiores discussões sobre Vicente da Fontoura e seus familiares não influenciam o valor arquitetônico do BEM;

                        CONSIDERANDO a análise feita pelo arquiteto urbanista, que embasou tal conclusão, conforme transcrição, também acolhida e agora parte integrante desta Recomendação, com grifos:


“(...) 2. ANÁLISE

2.1 O parecer técnico anterior não pode ser conclusivo, pois não fora ofertado acesso ao inventário municipal, nem ao menos ao bem em discussão. A lacuna de não ter acesso ao inventário foi sanada, sendo disponibilizado um arquivo escaneado do mesmo.

2.2 Recapitulando, no parecer anterior, item 2.3, foi ressaltado que:

Mas veja-se que é muito comum denominar casas com o nome de seu proprietário, quando se faz uma listagem de bens culturais, apenas para identificação do bem, sem que necessariamente o valor seja devido ao proprietário.

2.3 Já no item 2.4 foi salientado que:
O exame das qualidades de arquitetura do prédio, bem como o contexto urbano no qual ela está localizada, indica que ele tem valor em si mesmo, independente de quem a teria habitado.
Bem como que:

A casa deve ser examinada no conjunto dos bens inventariados em Cachoeira do Sul.

2.4 Na conclusão do parecer foi apontado que: as informações disponíveis não indicam que deva ser liberada a demolição do prédio, sem antes ser realizado um exame mais apurado de seu valor cultural para a cidade, assim como de todo o inventário.

2.5 Agora, com o inventário disponível, é possível fazer uma análise mais conclusiva.

Primeiro, confirmou-se a hipótese de que o nome do bem é tão somente uma referência para sua denominação, não estando intrinsecamente ligado a eventual valor cultural do mesmo.

Há vários bens elencados no inventário municipal de Cachoeira do Sul que levam nomes associados aos seus proprietários ou moradores, sem haver correlação de atribuição de valor em decorrência deles.

Vejam-se alguns exemplos. O bem de nº PRS/89-0003-0001, é denominado de “Armazém Pelzer”, mas não há relação entre o valor arquitetônico do prédio e o antigo comerciante, ou mesmo a atividade que lá se desenvolvia.

Bem nº PRS/89-0003-0009, é denominado “Residência Família Ribeiro”. Esta identificação tem somente esta finalidade, e não herda nenhuma importância histórica que esta família tenha tido.
O mesmo ocorre com o bem de nº PRS/89-0003-0015, a “Residência Zanenga”. Novamente a denominação tem a função
de facilitar a identificação do bem, sem ter qualquer relação com eventual importância que esse nome possa ter tido na história da cidade. Ou a “Residência Salzano”, nº PRS/89-0003-0023.
Assim se sucede. Como no bem nº PRS/89-0003-0036, a “Casa Augusto Wilhelm”.

2.6 No caso da “Casa de Antônio Vicente da Fontoura”, bem de nº PRS/89-0003-0048, além do nome de identificação, também há a questão do alegado valor histórico, devido a ter sido residência do ilustre citadino. Conforme citado anteriormente, essa questão deveria ser examinada frente ao conjunto do inventário.

Pois as fichas de inventário têm um campo a ser eventualmente preenchido, o de nº 18, denominado de “Dados históricos”. Analisando os demais bens inventariados conclui-se, sem margem de dúvida, que este campo é para o preenchimento de dados adicionais, que acrescentem informações para melhor conhecimento do bem.

Vejamos alguns exemplos: bem nº PRS/89-0003-0006, “1º Prédio Hospital de Caridade”. O campo 18, “Dados históricos”, informa que:

Em agosto de 1903, ocorre o lançamento da pedra fundamental por uma comissão organizadora.
Em dezembro de 1910, é inaugurado o prédio, sendo o primeiro diretor do hospital o Dr. Cândido Alves Machado de Freitas.
Ora, não é preciso de muito raciocínio para concluir que não é o dado histórico de que em agosto de 1903 ocorreu o lançamento da pedra fundamental ou de que no mês de dezembro de 1910 ele foi inaugurado e teve como primeiro diretor um médico específico, o que teria levado o prédio a ser inventariado. O prédio em si é o motivo de ser inventariado, não os dados históricos relatados.

Similar é a situação da “Capela Santa Catarina”, bem nº PRS/89-0003-0007. Seus dados históricos apontam a data de chegada das irmãs de Caridade, a data da pedra fundamental, a inauguração e quem foram os religiosos envolvidos. Alguém irá afirmar que a capela foi inventariada por esses dados históricos? Evidentemente que não.

Outros bens seguem a mesma lógica. O nº PRS/89-0003-0011, “Castelinho do Sindicato”, já foi o “Prédio da ex-Escola de Agricultura”. A análise da fotografia do prédio, das demais informações a seu na ficha do inventário, sua comparação com o contexto da cidade, permitem concluir, sem maiores dificuldades, que não são os dados históricos a justificativa para sua inclusão no inventário. Tanto este prédio como os demais.

Neste aspecto também se destaca o caso de nº PRS/89-0003-0029, a “Sapataria Grande Gala”. Ela tem como dados históricos que:
Prédio construído com a finalidade de depósito de arroz. Não utilizado para este fim. Pertenceu a Arlindo Leal.
Imagine-se a situação, de que este dado histórico fosse argumentado para que o prédio fosse inventariado.

Nesta linha, poderia se dizer que o prédio na esquina das Ruas XV de Novembro com Ramiro Barcelos seria inventariado por ter o dado histórico de ter pertencido a Eduardo Macedo de Oliveira, notário de Cachoeira do Sul? Ou o prédio na Rua Presidente Vargas, 1250, que foi “construído por Luiz Diefenbach. Construção do fim do século 19”. Ou o “Espelho Mágico”, PRS/89-0003-0094, que tem como dado histórico “Prédio pertencente ao Sr. José Püller”.

Enfim, o conjunto das fichas do inventário torna claro que os “Dados históricos” são informações complementares, mas não as justificativas para inclusão dos bens no inventario.

2.7 A casa Vicente da Fontoura é em estilo eclético, sendo um dos poucos exemplares nessa linha a constarem no inventário municipal. Considerando que o inventário já é limitado em sua abrangência, não tendo nem cem exemplares na área urbana, ele é extremamente significativo.

2.8 O “Inventário do Patrimônio Cultural de Cachoeira do Sul” é um documento elaborado por profissionais de relevância estadual. Podem ser citados o então Diretor da 10ª Diretoria Regional da Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) Arquiteto e Urbanista Luis Antônio Bolcato Custódio, e o coordenador geral dos trabalhos, o Arquiteto e Urbanista Luiz Fernando Rhoden, dentre outros. Ou seja, não foi um trabalho amador ou improvisado. E mais, foi um trabalho com respaldo no órgão maior de proteção do patrimônio cultural no Brasil, o IPHAN, que subscreve o documento.

2.9 Avançando na análise dos fatos ocorridos, considerando que a maioria dos membros do COMPAHC votou pela retirada da Casa Vicente da Fontoura do inventário, percebe-se uma situação preocupante: a maioria dos membros do COMPAHC provavelmente não conhece o Inventário municipal. Conforme outros documentos disponibilizados, verifica-se que embasaram seus votos em sofismas e desconhecimento da real importância do bem enquanto exemplar de arquitetura eclética para cidade. Neste sentido, deve ser cogitada a hipótese de responsabilização dos mesmos, se por ventura a casa vier a ser demolida. “(...)”

                             CONSIDERANDO o indiscutível valor arquitetônico do imóvel sito na Rua Sete de Setembro, nºs 484 e 500, e que sua inclusão do INVENTÁRIO MUNICIPAL, transcreve-se, novamente, foi fundada em entendimento “profissionais de relevância estadual”, entre os quais “podem ser citados o então Diretor da 10ª Diretoria Regional da Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) Arquiteto e Urbanista Luis Antônio Bolcato Custódio, e o coordenador geral dos trabalhos, o Arquiteto e Urbanista Luiz Fernando Rhoden, dentre outros.” e que tal “não foi um trabalho amador ou 
improvisado”, mas com “respaldo no  órgão maior de proteção do patrimônio cultural no Brasil, o IPHAN”, que o subscreveu;

                            CONSIDERANDO as disposições da Lei Municipal nº 4.076/2011, especialmente no que diz respeito à definição do COMPAHC como “órgão colegiado autônomo, consultivo, de assessoramento e de colaboração com a Administração Municipal nos assuntos relacionados à proteção, conservação e defesa do patrimônio histórico-cultural”;

                          CONSIDERANDO que tais finalidades do Conselho tornam imprescindíveis aos Conselheiros atributos ligados ao interesse pela preservação do patrimônio histórico cultural e ao conhecimento sobre a forma e os critérios para fazê-lo;

                            CONSIDERANDO que o pedido de providências foi subscrito por profissionais com tais atributos, contando inclusive com parecer minucioso sobre a relevância do bem, sob o ponto de vista arquitetônico;

                           CONSIDERANDO que o Plano Diretor do Município de Cachoeira do Sul é desatualizado e sua revisão atualmente é objeto de Ação Civil Pública em trâmite perante o Poder Judiciário, sem sinalização de qualquer movimentação tendente à sua realização;

                         CONSIDERANDO que a desatualização do Plano Diretor implica o não uso ou disponibilização de mecanismos preconizados pela Constituição Federal e previstos pelo Estatuto da Cidade como alternativas para viabilizar aos proprietários de bens sobre os quais recaia especial interesse de preservação a valorização de sua propriedade ou de seu potencial construtivo;

                        CONSIDERANDO que a falta de tais instrumentos projeta no bem e em sua área a única forma de fruição da propriedade e reacende, a cada caso tratado, a polêmica sobre o prejuízo sofrido pelos proprietários, em detrimento da sistematização do tema;

                        CONSIDERANDO que a propriedade deve exercer sua função social (artigo 5º, inciso XXIII; 170, inciso III; 182, § 2º, da Constituição Federal);

                        CONSIDERANDO ser competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos, assim como impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural; proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação; proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas (artigo 23 da Constituição Federal);

                           CONSIDERANDO que a avaliação técnica subscrita pelos autores do pedido de providências que embasa este Inquérito e o Parecer Técnico – firmados por profissionais habilitados e detentores de conhecimento técnico – evidenciam a fragilidade dos fundamentos pelos quais houve maioria numérica de votos a favor da retirada do imóvel da lista de bens inventariados de Cachoeira do Sul;

                         CONSIDERANDO que tal conclusão permite afirmar que o órgão “colegiado autônomo, consultivo, de assessoramento e de colaboração”, não obstante contar com quórum numericamente superior, emitiu parecer que contraria o interesse público de proteção, expresso como competência do Município pelo artigo 23 da Constituição Federal;

                         CONSIDERANDO que a decisão do Exmo. Sr. Prefeito Municipal sucedeu parecer incompatível com a proteção do patrimônio histórico e está igualmente incompatível com a proteção de tal patrimônio;

                        CONSIDERANDO que o Ministério Público é instituição incumbida da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis e tem como função institucional a defesa, entre outros, do patrimônio cultural brasileiro e do meio ambiente;

                        CONSIDERANDO que a decisão incompatível com a proteção do patrimônio histórico e cultural de Cachoeira do Sul legitima o Ministério Público a agir na sua defesa;

                          CONSIDERANDO que a reinclusão do bem em lista de inventário viabiliza a democrática discussão sobre a compatibilização de seu uso com sua proteção histórica;

                         CONSIDERANDO que a reinclusão do bem em lista de inventário viabiliza, a despeito da ausência de regramento legislativo municipal referente aos instrumentos de desenvolvimento urbano, que o órgão “colegiado autônomo” use de sua autonomia para se socorrer de apoio em profissionais qualificados e hoje interessados em colaborar com a proteção do patrimônio histórico e cultural de Cachoeira do Sul, a exemplo dos subscritores do parecer remetido ao Ministério Público, docentes da Universidade Federal de Santa Maria, campus Cachoeira do Sul e, com as informações angariadas, exerça de forma qualificadamente embasada a função, “consultiva, de assessoramento e de colaboração”;

                     CONSIDERANDO que os atributos dos conselheiros serão objeto de questionamento oportuno, a fim de verificar-se eventual necessidade de modificações como forma de adequar a composição do Conselho às suas finalidades;



RECOMENDA O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, por sua Promotora de Justiça signatária:

1) A Vossa Excelência, na condição de Prefeito do Município de Cachoeira do Sul, que proceda à REINCLUSÃO do bem no inventário Municipal, bem como para que adote as medidas necessárias para evitar a pleiteada demolição ou descaracterização do bem, sob pena de adoção de medidas visando a evitá-las, bem como de providências para a responsabilidade de todos os envolvidos;

2) Ao(s) PROPRIETÁRIO(S), que se abstenha(m) de adotar medidas visando à demolição ou descaracterização do IMÓVEL, sob pena de adoção de medidas visando evitá-las, bem como de providências para a responsabilidade dos envolvidos;

Cópia desta Recomendação será encaminhada aos atuais proprietários do imóvel, já que, por força de termo de cooperação, o envio deste documento ao Município será eletrônico e hoje o Município de Cachoeira do Sul realiza ponto facultativo, para que igualmente se abstenham de qualquer prática lesiva ao imóvel, informando as providências adotadas a esta Promotoria de Justiça, em até 03 (três) dias.

               Fica consignado que, a qualquer tempo, caso constatada postura visando a ação levisa àquele imóvel, poderá haver a adoção das providências judiciais na busca da reparação e compensação dos interesses difusos desbordantes do Inquérito Civil em questão.
Ao Exmo. Sr. Prefeito Municipal também se solicita formalização de informação quanto ao atendimento ou não da Recomendação no prazo de 05 dias.

Circunscrito ao exposto, são os termos da Recomendação do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul.
Cachoeira do Sul, 1º de junho de 2018.


Débora Jaeger Becker,
Promotora de Justiça.



Documento assinado digitalmente por (verificado em 01/06/2018 10:34:02):Nome: Debora Jaeger BeckerData: 01/06/2018 10:13:01 GMT-03:00__________________________________________________________________________Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001,que institui a infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. A conferência deautenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico:"http://www.mprs.mp.br/autenticacao/documento"informando a chave SGP000022377715 e o CRC 9.3514.8356. 1/1

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Jornal do Povo - 02 de junho de 2018



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TV NTSul  -  04/06/2018


Jornal do Povo - 05 de junho de 2018
Casa 500

               A recomendação do MP, autoria da eficiente Dra. Débora Becker, não obstante juridicamente talentosa e brilhante, não foi inusitada. Um dos proprietários da Casa 500 já fora alertado de que somente um parecer técnico consistente na descaraterização e na inviabilidade da restauração poderia afastar o imóvel incluído no inventário por técnicos renomados do IPHAN, que “não foi um trabalho amador ou improvisado”, como agora dito pelo documento ministerial. 

Confronto 
              Os donos da Casa 500 preferiram apostar no lobby fortíssimo, todavia, o voto “livre” e “democrático”, mesmo que consciencioso e sem indução de qualquer espécie, não se sobrepõe à Constituição e às leis infraconstitucionais que consagram a função social da propriedade. Os ruralistas conhecem bem a função social da “cidadã”. 

Às calendas 
              Para que ações populares e ação civil pública não transfiram o debate para as calendas gregas, postergando investimentos bem-vindos, esta coluna tem uma sugestão ao prefeito, reconhecido entusiasta do desenvolvimento imobiliário e de outros setores, evitando envolvimento de agentes públicos em lobby que podem não ser legítimos, nem legais.

Ideias não são metais... 

           A sugestão do colunista é a venda de terreno do Município na Rua 7, a 20 metros da Casa 500 (foto acima), sede da antiga Delegacia Regional de Polícia, hoje depósito de ratos, macegas, baratas e outros insetos nocivos que incomodam a vizinhança, e com esse recurso adquirir a casa onerada constitucionalmente pelo valor histórico e arquitetônico para sede do Arquivo Público Carlos Salzano Vieira da Cunha, depositário de valiosos documentos históricos do quinto município gaúcho. E, de contrapeso, poupar o erário de locação elevada e evitar os riscos de deterioração do acervo, às vezes inadequadamente armazenados, embora o zelo dos servidores dedicados.

Sem maldade 
             A propósito, para que os malvados que frequentam as redes sociais não entrem “em campo”, o lobby é uma palavra inglesa que designa pessoas físicas ou jurídicas, que legítima e legalmente “se organizam em torno de um objetivo comum e tentam interferir nas decisões do Poder Executivo e Legislativo para que estas coincidam com os seus interesses”. 

Liberalismo e função social 
               A oportuna sugestão do MP ao prefeito para “uma política clara para preservação do patrimônio cultural edificado, a fim de que nenhum proprietário se sinta prejudicado em seus interesses econômicos, com previsão de transferência de potencial construtivo”, é similar a que o arquiteto Osni Schroeder, com a bênção do COMPAHC, propõe já há bastante tempo, ignorado pelo Legislativo e pelo “staff” do ex-prefeito Neiron, que retirou de projeto maltratado na anterior Câmara qualquer benefício aos bens inventariados. A proposta é uma espécie de associação da memória com o interesse liberal-capitalista. Mas, infelizmente, o mais fácil é mesmo “cristianizar” o chamado “núcleo duro” do preservacionismo e tentar seduzir conselheiros, como se não existisse a constitucional função social da propriedade.

Impulso
           Quem sabe a CACISC, agora sob a presidência de Fábio Renato Silva, lidere o binômio desenvolvimento imobiliário e memória da bicentenária Cachoeira do Fandango.



Jornal do Povo - 06 de junho de 2018
Prédio 500 

           Extremamente elucidativa, clara e técnica a sugestão do Ministério Público em favor da preservação da Casa 500 da 7 de Setembro. O atropelo com que se dava o processo deixou muita gente com a pulga atrás da orelha. A posição do MP reforça argumentos de uma ação popular se o prefeito insistir neste patrolamento da casa e do COMPAHC. Não conheço, mas já sou fã dessa promotora. Não pela forma com que se posicionou, mas pelo conteúdo apresentado. Na minha opinião, uma aula sobre o papel do ente público na defesa do patrimônio de sua comunidade!


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A CACHOEIRA QUE QUEREMOS (?)





Jornal do Povo - 27 de julho de 2018



2 comentários:

  1. Parabéns a todos aqueles que veem na memória desta terra um de seus maiores atributos! Obrigada, Elizabeth Thomsen, Renato F. Thomsen, Osni Schroeder, Eduardo Florence, Mateus Rosada e Letícia de Castro Gabriel! Este parecer do Ministério Público atende à denúncia que vocês tomaram o compromisso de fazer!

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  2. Não fui subscritor formal da denúncia, mas a apoiei desde o primeiro instante, quando este grupo decidiu apelar para o MP. osni schroeder

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